sexta-feira, 23 de dezembro de 2022

O sonho de Lampião

 

Lançamento: O sonho de Lampião

O convite para escrever uma história sobre Lampião veio da escritora Penélope Martins, que fora sondada pela editora Ciranda Cultural. Para Penélope, eu era a pessoa ideal, embora, apesar de haver editado um livro sobre Lampião, escrito pelo saudoso historiador Antonio Amaury, em colaboração com seu filho Carlos Elydio, eu nunca tenha me debruçado sobre a história do personagem. Como autor, ressalve-se, já que sempre busquei conhecer, na medida do possível, a vasta bibliografia sobre o famoso facínora. Verdade seja dita: quanto tinha por volta de nove anos, escrevi um cordel narrando as façanhas de Lampião e Maria Bonita, a partir de relatos anedóticos ou lendários. O caderno, com o original, está, infelizmente, perdido para sempre. 

Por tudo isso, ao responder a Penélope, que atuava como interlocutora da editora Janice Florido, eu disse que aceitava desde que ela assinasse comigo o trabalho. Não seria um cordel, mas um romance biográfico, então, a devolução do convite fazia todo o sentido. "Mas eu conheço pouco sobre a vida de Lampião" foi a sua resposta. Eu redargui que isso não seria problema e indiquei-lhe uma bibliografia que, se não era volumosa, continha o essencial para a viagem que faríamos. E o livro que, desde o início se chamou O sonho de Lampião, acaba de nascer. Com o logo da Principis, selo ligado à Ciranda. E nasceu mais formoso do que imaginávamos, graças às delicadas e sugestivas xilogravuras de Lucélia Borges.

Cada capítulo é aberto por sextilhas compostas ao gosto popular, emulando a epopeia do cangaço com seus cantos de amor e de guerra. 

Da história propriamente dita muitos sabem o começo e o final. Mas resolvemos narrá-la de outra forma, fazendo de Lampião um contador de histórias, como Ulisses, desfiando seu rosário para o futuro sogro Zé de Felipe ou para o fotógrafo e dublê de cineasta, o sírio-libanês Benjamin Abrahão. 

Abaixo, um trecho do posfácio, escrito à guisa de ensaio, mostrando a presença de Lampião na literatura de cordel, no cinema e na música popular.

Conversa de cangaceiras
Xilogravura de Lucélia Borges

"Quando iniciamos a pesquisa que redundaria neste livro, sabíamos do tamanho do desafio e das dificuldades que nos esperavam. Afinal de contas, escrever sobre Lampião significa revisitar não apenas a sua história, mas de muitos outras personagens, unidos por uma teia de tragédias urdidas em tramas violentas encenadas no cenário inóspito do sertão nordestino. A mais importante, por razões óbvias, é Maria Gomes de Oliveira, a Maria de Déa, que a posteridade rebatizaria como Maria Bonita. E foi a partir dela, ou melhor, de seu núcleo familiar, apresentando o cenário da fazenda Malhada da Caiçara no sertão da Bahia, que resolvemos começar nossa jornada. Trata-se, afinal, não de um retrato fiel, mas de uma reinterpretação, com matizes ficcionais, da trajetória de Virgulino Ferreira da Silva, o temível Lampião, que o poeta cordelista José Pacheco da Rocha, exagerando, mas não mentindo, dizia ser “assombro do mundo inteiro”. Esses matizes podem ser percebidos principalmente nos diálogos, culminando com o tema do título, o sonho do cangaceiro, que apresenta uma encruzilhada narrativa, tentando imaginar o que seria a vida de Lampião e, consequentemente, a de Maria de Déa, se ele não tivesse sido acusado e perseguido por José de Saturnino, entrando para o cangaço e arrastando consigo parte de sua família.

Maria de Déa
Xilogravura de Lucélia Borges

A ideia, quase uma fanfic, discute o fatalismo vivo nas crenças populares, reforçado nos discursos de cangaceiros e volantes, que, por vezes, serve para justificar as mazelas sociais e as seculares injustiças. Algumas perguntas não precisam ser respondidas, mas devem ser marteladas, pois, se não levam a um consenso, ajudam a enxergar melhor uma história que passa longe de ser unidimensional. “Lampião, escreve Eric Hobsbawn, foi e ainda é um herói para o seu povo, mas um herói ambíguo”. Mais que ambíguo, contraditório, daí as muitas interpretações conflitantes, versões desencontradas e perfis que ora focalizam o homem, ora o mito.

Corisco, Dadá e Zé Rufino
Xilogravura de Lucélia Borges

O cangaço, sabemos, não teve início com Lampião, e a nossa história mostra, inclusive, que seu ingresso ocorreu, depois de algumas refregas com José de Saturnino, com a sua acolhida pelo bando de Sinhô Pereira. O Nordeste ainda não havia se esquecido de Antônio Silvino, alcunha de Manuel Batista de Moraes, cangaceiro nascido na Serra da Colônia, Pernambuco, mitificado em romances versados pelos poetas Francisco das Chagas Batista e Leandro Gomes de Barros. Silvino, depois do assassinato de seu pai, Pedro Batista de Morais, e da apropriação de terras de sua família, pela companhia inglesa Great Western, para construção de uma estrada de ferro, depois de liderar por dezoito anos um bando armado, acabou sendo preso em 1916; permaneceu na casa de detenção do Recife até 1937, quando foi indultado pelo presidente Getúlio Vargas.  Antes de Antônio Silvino, a história registra os nomes de Adolfo Meia-Noite, Rio Preto, Jesuíno Brilhante e Lucas de Feira, entre outros."

Lampião, Benjamin e Padre Cícero
Xilogravura de Lucélia Borges


Para adquirir a obra, clique AQUI e AQUI

sábado, 12 de novembro de 2022

Lançamento: Contos Encantados do Brasil


Contos Encantados do Brasil, uma viagem ao Brasil profundo
por meio dos contos populares. 

Acaba de sair, com o selo da Aletria, editora mineira sob a coordenação de Rosana Mont'Alverne, o livro Contos Encantados do Brasil, reunião de contos de tradição oral, recolhidos por Marco Haurélio e ilustrados, com xilogravuras, por Lucélia Borges. A obra inova por trazer duas opções de capa assinadas por Caroline Gischewski, responsável pelo projeto gráfico, a partir de xilogravura de Lucélia Borges.

Abaixo, compilamos trechos do prefácio escrito pelo autor:

Se perguntarmos a alguém por que faz determinado gesto, ele poderá não saber o motivo, e talvez responda que o faz “inconscientemente” ou aprendeu com outra pessoa… que aprendeu com outra pessoa, que aprendeu com outra… De forma semelhante, os contos ditos tradicionais se propagam. Ouvimos, repetimos, lembramos, esquecemos, ampliamos, reduzimos. Contamos. E, quando contamos, trazemos para junto de nós, para o nosso círculo familiar, narradores e mais narradores que, ao longo de séculos, milênios talvez, garantiram que as histórias não se perdessem. A trajetória dos contos populares, com destaque para sua incrível capacidade de adaptação, tem suscitado acalorados debates e fomentado o surgimento de algumas escolas, cuja sobrevivência dependeu sempre mais do poder de argumentação de seus membros do que da sua capacidade de, efetivamente, comprovar os seus postulados. Não é nosso propósito aqui enumerar as escolas do Folclore, nomear seus membros ou exumar as suas doutrinas. Importa-nos, por enquanto, tão somente, chamar a atenção para o conto popular, objeto do presente trabalho, uma recolha abrangente, compreendendo um significativo número de versões, que vão desde os contos mais complexos, como o de cunho maravilhoso, aos aparentemente mais simples, e, quando escrevo “mais simples”, refiro-me a questões puramente formais, já que, na contística popular, toda pedra é preciosa. Mesmo o que não reluz é ouro.


O conto popular, também chamado estória (ou história) de Trancoso, da Carochinha, é uma das mais antigas formas de expressão verbal, contemporâneo dos primeiros grupos humanos, irmão do mito, com o qual se confunde, ainda que este se apoie num “ato de crença, de crença em seu objeto, sem o que perde sua base”.1 Irmanado ainda à lenda e à fábula, alimento intelectual de todos os povos, de todas as épocas, o conto preserva, quase sempre de forma cifrada, informações sobre hábitos, usos, costumes, provérbios, crenças, estatutos de épocas as mais diversas, abarcando, praticamente, em sua amplitude temática, todos os assuntos relativos à ciência do Folclore; constitui-se, porém, em parte inseparável do todo, “como a mão com relação ao corpo ou a folha com relação à árvore”. Difere da lenda e do mito por sua universalidade, e com isso não queremos dizer que todos os contos alcançam todos os cantos, e, sim, que, aonde chegam, recebem melhor acolhida graças à sua poderosa capacidade de adaptação.

"Canivetão". Xilogravura de Lucélia Borges. 

A maior parte dos contos maravilhosos difundiu-se por uma vasta área geográfica que vai da Índia à Irlanda, ampliada, depois, pelo processo colonizador. Chegaram ao Brasil, certamente, com as primeiras levas de colonos portugueses e, misturados às narrativas ameríndias, nas quais predominava o fantástico, e às histórias trazidas das Áfricas, ganharam novo colorido no Nordeste primeiramente, mormente nos sertões povoados de assombros milenares. No conto, nada é novo e nada é velho. As transformações atendem a uma dinâmica muito particular que envolve questões externas, como a influência do ambiente e dos costumes e crenças, e internas, estas atinentes às dimensões alegórica e simbólica.

Nas versões sertanejas do conto da Cinderela, a moça não vai ao baile no palácio do príncipe, mas à missa, realiza tarefas típicas do sertão de outrora, como adicionar água aos potes ou alimentar os animais das velhas que a auxiliarão doravante. Os motivos essenciais do conto, no entanto, pouco mudam, qualquer que seja a época ou o lugar. O sapato que possibilita o casamento de Cinderela com o príncipe, por exemplo, é um tema que pode ser rastreado em milhares de versões. Era parte de um rito matrimonial introduzido no Egito, provavelmente durante o domínio persa, nutrindo a lenda de Ródope, a cortesã grega que vem a desposar o faraó. É o que nos conta Heródoto: uma águia arrebata o sapato da nossa heroína e o deixa cair sobre o faraó, fazendo com que o soberano do Egito envide todos os seus esforços para encontrar a dona do tal calçado que tanto o fascinara (História, tomo II, XCVIII). O teste de casamento, por meio do experimento do calçado, era, segundo informação de Luís da Câmara Cascudo, “ainda popular na Alemanha do século XVI”, aproximadamente trezentos anos antes de os Irmãos Grimm registrarem a versão mais famosa da história.

"A princesa da Cara de Pau", versão brasileira de "Pele de Asno".
Xilogravura de Lucélia Borges

Todos os contos reunidos neste livro foram colhidos diretamente da fonte da memória, isto é, foram ouvidos, anotados e fixados, mantendo-se sua estrutura básica e conservando, quase sempre, as marcas da oralidade. Os narradores, guardiães da tradição, são identificados ao final de cada história. Um deles, o senhor José Marques de Sousa, apelidado carinhosamente de Zé Cabeça, falecido em 2019, por ocasião da coleta das histórias, em 2015, afirmou ter 107 anos de idade. Além de Bela Inês e a Moura Torta Panela, colher e chicote, narrou outros contos, publicados no livro Vozes da tradição. Três histórias (Branca Flor, Bestore e a princesa Maria Borralheira) foram publicadas originalmente no livro O Príncipe Teiú e outros contos brasileiros, de circulação muito restrita.

No tangente à divisão, optamos pelo Sistema ATU (Aarne-Thompson-Uther), adotado em outras publicações nossas, com uma única alteração: começamos pelos contos maravilhosos, ou de encantamento, mais numerosos, e não pelos contos de animais, como seria de se esperar, por se tratar de uma tabela alfanumérica. Contamos, como sempre, com o apoio dos professores Paulo Correia e José Joaquim Dias Marques, do Centro de Estudos Ataíde Oliveira (CEAO), da Universidade do Algarve, Faro, Portugal.

"Maria da Cobrinha". Xilogravura de Lucélia Borges.

Recolhidos, em sua maioria, no sertão baiano, universais nos motivos e temática, nacionais nas cores, sotaques, variantes linguísticas e no colorido da flora e fauna, os nossos contos comprovam o que foi dito pelo grande escritor mineiro João Guimarães Rosa, que também bebeu na fonte da tradição: “O sertão é o mundo.” Mundo que vira mar, como previu o beato Antônio Conselheiro, mar de histórias, água de vertente que, teimosa, ainda cisma em correr.

Italo Calvino, no posfácio ao Pentameron, em 1974, afirma que “el mundo de las fábulas és um mundo matinal”, e, no caso de Basile, manifesta-se sempre com uma metáfora distinta. Na nossa coletânea, alvoradas e crepúsculos se alternam em muitas narrativas, mas a mensagem, implícita, é a de que as histórias sempre vêm à luz. Basta que tomemos assento e abramos o coração e os ouvidos, para que a jornada comece. Ou recomece, quando, a cada escuta, espaço e tempo se transfiguram e podemos contemplar, embevecidos, as cores de um entardecer que jamais deixou de ser manhã.

MAIS INFORMAÇÕES:

Título original: Contos Encantados do Brasil

2022, 1ª edição

337 páginas, 13,5 x 20,5 cm

ISBN: 9786586881851

Autor: Marco Haurélio

Ilustrações: Lucélia Borges


Para adquirir a obra, clique AQUI ou AQUI

Fonte: Cordel Atemporal. 

<i>O sonho de Lampião</i>

  Lançamento:  O sonho de Lampião O convite para escrever uma história sobre Lampião veio da escritora Penélope Martins, que fora sondada pe...